Infecção por Vírus Sincicial Respiratório (VSR): Guia Completo para Profissionais de Saúde

Infecção por Vírus Sincicial Respiratório (VSR): Guia Completo para Profissionais de Saúde

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Introdução

A infecção pelo Vírus Sincicial Respiratório (VSR) representa atualmente uma das principais causas de internação por doença respiratória em crianças menores de dois anos. Segundo dados das Diretrizes da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o VSR é responsável por aproximadamente 75% das bronquiolites e 40% das pneumonias virais em lactentes.

A maioria das crianças será exposta ao VSR até os dois anos de idade, com reinfecções possíveis ao longo da vida. A primoinfecção — geralmente antes dos seis meses — tende a ser a mais grave, especialmente em prematuros, cardiopatas e imunodeprimidos.

Este post tem como objetivo ser o guia mais completo da internet brasileira sobre o VSR, abordando:

  • Fisiopatologia e virologia

  • Sinais clínicos e diagnóstico diferencial

  • Manejo ambulatorial e hospitalar

  • Critérios atualizados para internação

  • Uso do palivizumabe para profilaxia

  • Cuidados com a transmissão comunitária e hospitalar

  • Complicações a curto e longo prazo

  • Diretrizes detalhadas com tabelas e fluxogramas práticos


Virologia e fisiopatologia do VSR

O VSR é um vírus RNA de fita simples, envelopado, pertencente à família Paramyxoviridae. Sua estrutura inclui uma proteína de fusão (F) essencial para a entrada viral nas células do epitélio respiratório, e uma glicoproteína G, responsável pela ligação do vírus ao hospedeiro.

A infecção inicia-se pela colonização da nasofaringe e se espalha para os brônquios, bronquíolos e alvéolos. O vírus leva à formação de sincrícios (fusões celulares), necrose epitelial e produção excessiva de muco, promovendo obstrução das vias aéreas e colapso alveolar — características principais da bronquiolite viral aguda.

Nos prematuros e imunodeprimidos, a resposta imune celular deficiente aumenta a replicação viral e prolonga a excreção do vírus, elevando a gravidade do quadro clínico.


Epidemiologia e sazonalidade

A infecção pelo VSR possui uma sazonalidade bem definida no Brasil, com variações regionais:

RegiãoSazonalidade VSRPeríodo recomendado para profilaxia
NorteFevereiro a JunhoJaneiro a Junho
NordesteMarço a JulhoFevereiro a Julho
Centro-OesteMarço a JulhoFevereiro a Julho
SudesteMarço a JulhoFevereiro a Julho
SulAbril a AgostoMarço a Agosto

📌 Em regiões como a Norte e Nordeste, o pico coincide com o período de chuvas intensas. Já no Sul, há correlação com o inverno e pico da Influenza.

O período de incubação do vírus é de 4 a 5 dias. A excreção viral dura em média 7 a 10 dias, podendo se prolongar por até 4 semanas em prematuros e imunodeficientes.

A transmissão ocorre por:

  • Contato direto com secreções respiratórias infectadas

  • Fômites (estetoscópios, brinquedos, superfícies)

  • Mãos contaminadas

  • Gotículas de tosse e espirro


Populações vulneráveis e fatores de risco

Principais grupos de risco para infecção grave:

  • Prematuros com < 32 semanas de IG

  • Lactentes com idade < 6 meses

  • Crianças com doença pulmonar crônica da prematuridade (displasia broncopulmonar)

  • Portadores de cardiopatias congênitas com repercussão hemodinâmica

  • Crianças com imunodeficiências celulares

  • Lactentes com histórico de desnutrição, anemia ou desmame precoce

🚨 O risco de internação em UTI por VSR pode atingir até 37% nesses grupos.

Outros fatores de risco importantes:

  • Presença de irmãos em idade escolar

  • Frequentar creches durante o período sazonal

  • Exposição ao tabagismo passivo

  • Baixa condição socioeconômica e dificuldade de acesso a serviços de saúde

  • Uso crônico de corticosteroides


Diagnóstico clínico: sinais e sintomas mais comuns

A apresentação clínica da infecção pelo VSR varia de uma rinofaringite leve até uma bronquiolite ou pneumonia grave. Os principais sintomas incluem:

Quadro clínico típico:

  • Tosse seca ou produtiva

  • Coriza e congestão nasal

  • Febre (nem sempre presente)

  • Taquipneia

  • Sibilos (mais comum após os 6 meses)

  • Gemência, batimento de asa nasal, retrações

  • Hipoxemia (SpO₂ < 92%)

  • Apneia (especialmente em < 2 meses)

  • Prostração e recusa alimentar

🧠 Em neonatos, a apneia pode ser o único sinal clínico, exigindo alto índice de suspeita!


Diagnóstico diferencial

A infecção por VSR pode ser confundida com outras condições respiratórias. Os principais diagnósticos diferenciais incluem:

  • Bronquiolite por outros vírus (metapneumovírus, adenovírus, influenza)

  • Pneumonia bacteriana

  • Aspiração de corpo estranho

  • Crise asmática (em > 12 meses)

  • Refluxo gastroesofágico

  • Laringotraqueobronquite (crupe)

🔬 Coinfecções virais são comuns (30% dos casos), e até 25% das crianças assintomáticas podem apresentar PCR positivo para vírus respiratórios.

Diagnóstico laboratorial

A confirmação da infecção por VSR raramente é necessária em casos típicos e de manejo ambulatorial. No entanto, em alguns cenários clínicos, o diagnóstico laboratorial se torna útil:

Indicações para confirmação laboratorial:

  • Pacientes com imunodeficiência

  • Casos graves que requerem hospitalização ou UTI

  • Instituições em surto (para organização de coorte)

  • Redução do uso desnecessário de antibióticos

  • Investigação de coinfecções virais ou bacterianas

Métodos laboratoriais disponíveis:

ExameDescriçãoTempo de resultado
Teste rápido de antígeno (imunocromatografia)Detecta proteínas do vírus em secreções nasais15 a 30 minutos
RT-PCRDetecta RNA viral com alta sensibilidade4 a 6 horas
Imunofluorescência direta (IFD)Detecta antígenos virais, menos sensível que PCR2 a 4 horas

🧪 O RT-PCR é o padrão-ouro para detecção, mas tem custo mais elevado e disponibilidade limitada em ambientes ambulatoriais.


Critérios de internação

A decisão pela internação deve ser baseada em fatores clínicos, idade, comorbidades e capacidade de cuidado domiciliar.

Principais critérios clínicos para hospitalização:

  • SpO₂ < 92% em ar ambiente

  • Apneia (mesmo episódica)

  • Dificuldade respiratória grave (gemência, tiragens intensas, cianose)

  • Prostração, letargia ou sonolência

  • Recusa alimentar persistente

  • Desidratação ou diurese < 1 vez em 12h

  • Idade < 3 meses, especialmente se prematuro

  • Presença de comorbidades (cardiopatias, doenças pulmonares, imunodeficiências)

  • Falha no tratamento ambulatorial

📌 Lactentes com fatores de risco + quadro moderado devem ser avaliados com mais critério para hospitalização precoce.


Manejo terapêutico: o que realmente funciona

O tratamento da infecção por VSR é suporte clínico. A maioria dos casos evolui bem com condutas simples e monitoramento próximo.

Condutas recomendadas:

  • Oxigenoterapia (SpO₂ < 92%) — cânula nasal, máscara ou cateter de alto fluxo

  • Hidratação — preferência por via oral; sonda nasogástrica ou EV se necessário

  • Lavagem / Aspiração nasal com SF 0,9% — alivia sintomas e melhora a oxigenação

  • Monitoramento clínico e de SpO₂ contínuo, especialmente em UTI

💡 Crianças com esforço respiratório grave podem se beneficiar de suporte ventilatório não invasivo (CPAP nasal ou VNI).


Terapias não recomendadas rotineiramente (segundo a SBP)

IntervençãoEvidênciaRecomendação
Broncodilatadores (salbutamol)Falta de eficáciaNão usar rotineiramente
Corticoides sistêmicos ou inalatóriosNão reduzem tempo de internaçãoContraindicados
AntibióticosSem infecção bacterianaNão utilizar
Adrenalina nebulizadaResultados conflitantesNão indicada
Fisioterapia respiratóriaSem benefício comprovadoEvitar (exceto comorbidades pulmonares crônicas)
Solução salina hipertônicaEficácia variávelUso restrito a casos específicos

Fluxograma prático: abordagem da criança com suspeita de VSR

1. Avaliação inicial:
   - Sinais de desconforto respiratório?
   - SpO₂ < 92%?
   - Apneia?
   - Prostração ou recusa alimentar?

2. Se NÃO (quadro leve):
   - Tratamento domiciliar
   - Lavagem nasal, hidratação, orientação
   - Sinais de alerta aos pais

3. Se SIM (quadro moderado a grave):
   - Internação
   - Oxigenoterapia e hidratação
   - Monitoramento contínuo

4. Alta hospitalar quando:
   - Boa aceitação alimentar
   - SpO₂ > 94% sem O₂ suplementar
   - Quadro respiratório em melhora


Profilaxia com palivizumabe

O palivizumabe é um anticorpo monoclonal humanizado, aprovado exclusivamente para profilaxia da infecção grave por VSR. Ele age neutralizando a proteína F do vírus, inibindo sua fusão com as células do epitélio respiratório.

Indicações segundo a SBP e o Ministério da Saúde:

  • Prematuros nascidos com idade gestacional ≤ 28 semanas e 6 dias, com idade cronológica < 1 ano no início da sazonalidade

  • Crianças < 2 anos com doença pulmonar crônica da prematuridade

  • Crianças < 2 anos com cardiopatia congênita com repercussão hemodinâmica

Esquema de aplicação:

  • 15 mg/kg/dose, por via intramuscular

  • Aplicado mensalmente, durante o período sazonal

  • Máximo de 5 doses por temporada, respeitando a sazonalidade da região

💉 Estudos mostram redução de até 55% nas hospitalizações por VSR em crianças que recebem palivizumabe corretamente.

Observações importantes:

  • A administração deve ser feita idealmente no início da sazonalidade

  • A dose deve ser repetida mesmo após hospitalização por VSR (pelo risco de reinfecção por outro subtipo)

  • O custo é elevado, sendo coberto apenas em casos elegíveis pelo SUS ou planos de saúde


Prevenção: medidas domiciliares e hospitalares

A infecção pelo VSR é altamente contagiosa. A prevenção deve ocorrer tanto no ambiente familiar quanto nos serviços de saúde.

Medidas domiciliares:

  • Higienização frequente das mãos

  • Evitar exposição a aglomerações (shoppings, creches, transportes públicos)

  • Não permitir visitas com sintomas respiratórios

  • Evitar o contato com fumantes (tabagismo passivo)

  • Manter aleitamento materno exclusivo até 6 meses e complementar até 2 anos

🧼 A educação das famílias é fundamental para reduzir reinternações.

Medidas em unidades de saúde:

  • Isolamento de casos confirmados ou suspeitos (preferência por quarto privativo)

  • Coorte de pacientes com VSR (se muitos casos)

  • Uso obrigatório de EPI (luvas, avental, máscara cirúrgica) para todos os profissionais de saúde

  • Higienização rigorosa de superfícies e equipamentos compartilhados

  • Limitação de visitas


Complicações associadas ao VSR

Embora a maioria dos casos evolua bem, o VSR pode causar desfechos graves, especialmente em grupos de risco.

Complicações respiratórias agudas:

  • Insuficiência respiratória aguda, exigindo ventilação invasiva

  • Atelectasia segmentar ou lobar

  • Coinfecção bacteriana (pneumonia bacteriana secundária)

  • Pneumotórax (raro, mas possível em ventilação agressiva)

Complicações a longo prazo:

  • Sibilância recorrente

  • Maior risco de desenvolver asma na infância

  • Hiperresponsividade brônquica persistente

  • Hospitalizações frequentes em estações seguintes

📌 Até 40% das crianças com bronquiolite grave por VSR apresentam sibilância recorrente nos 3 anos seguintes.


Seguimento e alta: orientações pós-infecção

Crianças que necessitam internação por VSR devem ser acompanhadas por pediatra, pneumologista ou cardiologista (se comorbidades).

Recomendações pós-alta:

  • Avaliação clínica em até 7 dias

  • Orientação sobre higiene ambiental e controle de alérgenos

  • Reforçar vacinação (incluindo Influenza e Covid-19)

  • Acompanhamento do crescimento e desenvolvimento neuropsicomotor

  • Encaminhamento para fisioterapia respiratória se houver sibilância persistente

✅ O seguimento adequado reduz risco de re-hospitalização e melhora o prognóstico respiratório.


Conclusão

O manejo do VSR exige vigilância epidemiológica, conhecimento técnico e educação continuada. O uso racional de medidas preventivas, como o palivizumabe, e a aplicação de condutas embasadas nas diretrizes da SBP são fundamentais para evitar complicações e mortes evitáveis.

🚑 Em tempos de sazonalidade, a atenção primária e o pronto atendimento devem estar preparados para triagem, monitoramento e intervenção precoce.


Novas vacinas e imunobiológicos contra o VSR

Nos últimos anos, a pesquisa em vacinas contra o VSR avançou significativamente, especialmente com foco em imunização de gestantes, lactentes e idosos.

Abordagens em desenvolvimento:

  • Vacinas de subunidade (proteína F estabilizada) — em fase 3 de testes para gestantes e idosos.

  • Vacinas de RNA mensageiro (mRNA) — tecnologia semelhante às vacinas contra COVID-19.

  • Vacinas vivas atenuadas para crianças — em estudos clínicos controlados com bons resultados de segurança e imunogenicidade.

  • Vacinas vetoriais recombinantes — usando adenovírus como vetor para expressão da proteína F.

💡 Uma das estratégias mais promissoras é a imunização de gestantes no 3º trimestre, visando conferir imunidade passiva ao recém-nascido por via transplacentária.

Imunobiológicos monoclonais de longa ação

Além do palivizumabe, novos anticorpos monoclonais de longa duração estão sendo testados, como o nirsevimabe, com meia-vida estendida para cobrir toda a sazonalidade com apenas uma dose anual.


Revisão de diretrizes internacionais

AAP (American Academy of Pediatrics):

  • Reforça que o tratamento da bronquiolite deve ser de suporte exclusivamente

  • Não recomenda broncodilatadores, corticoides ou solução salina hipertônica de forma rotineira

  • Recomenda palivizumabe apenas em subgrupos bem definidos

CDC (Centers for Disease Control and Prevention):

  • Foco em vigilância epidemiológica por RT-PCR

  • Enfatiza medidas de prevenção e controle de surtos hospitalares

  • Promove campanha de educação para profissionais e cuidadores

OMS (Organização Mundial da Saúde):

  • Considera o VSR como prioridade global em saúde pública

  • Incentiva iniciativas de vacinação universal em países em desenvolvimento

  • Apoia programas de monitoramento ativo da sazonalidade em todas as regiões

🌍 O VSR causa anualmente cerca de 33 milhões de infecções e 120 mil mortes em menores de 5 anos, sendo uma das principais causas de mortalidade infantil em países de baixa renda.


Considerações finais

O Vírus Sincicial Respiratório é um desafio recorrente na prática clínica pediátrica. Apesar de sua prevalência, muitos profissionais ainda utilizam abordagens desatualizadas ou ineficazes.

Este guia foi construído com base nas Diretrizes da SBP 2017, além de incorporar as mais recentes evidências científicas e recomendações internacionais para oferecer um conteúdo confiável e atualizado.

Principais mensagens para a prática:

  • A maioria dos casos pode ser tratada ambulatorialmente com suporte clínico

  • Critérios de internação devem ser bem definidos e individualizados

  • O palivizumabe salva vidas em grupos de alto risco, mas é subutilizado

  • Novas vacinas e monoclonais trarão mudanças nos próximos anos

  • A educação de pais, cuidadores e profissionais é pilar da prevenção

✅ Quando a triagem é bem feita, o cuidado é humanizado e a conduta é baseada em diretrizes, a mortalidade por VSR se torna quase zero.


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